quarta-feira, 12 de setembro de 2018

FILOSOFIA E CULTURA POPULAR

Por Yago Itaparica

No dia 23 de agosto de 2018, uma quinta-feira à noite, a cidade de Amargosa presenciava mais uma edição do Café Filosófico. Evento que reúne acadêmicos à gente simples do povo, para brindar, com muito gosto, o conhecimento, seja ele filosófico ou popular.

A propósito, nesse dia as mentes ali presentes se debruçavam a dialogar o tema: Filosofia e Cultura Popular. A praça Lourival Monte, já velha amiga dessas pessoas, singularmente caracterizada com a Feirinha da agricultura familiar da COOAMA, recebia a todos com o aconchego e beleza de sempre.

O frio foi o único que não deu trégua naquela noite. Se esgueirava aqui e acolá, fazendo tremer e arrepiar todo aquele que não estivesse bem guarnecido contra seu sopro gelado. Contudo, ele não fora suficiente para esfriar a voz calorosa e energética de um dos ilustres palestrantes, Ricardo Andrade. Um professor de filosofia um tanto espirituoso, carrega na sua fala uns tons de ironia da mais fina sutileza, é capaz de provocar o riso em todo desavisado de alma leve e distraída. No entanto, ele não estava sozinho nessa empreitada, trazia consigo duas mulheres firmes em vossas falas, Íria Barbosa, estudante do curso de Pedagogia, era a mediadora da noite, levando a tiracolo muita propriedade no dizer, e Andreia Barsant, uma professora de voz delicada e esguia, contrastando com um discurso forte e elegante, demonstrava, assim como a outra, bastante autonomia no discursar. Na voz de quem sabe o que diz, a cautela faz morada.

A praça é um espaço dinâmico, aberto para quem queira se pôr presente. Os sons se mesclam e interagem, os assuntos trabalhados na noite ganhavam impulso e fundiam-se com temas diversos surgidos das bocas da multiplicidade de espectadores que se faziam presentes. Isso proporcionou um ambiente composto e em mutação. Os palestrantes eram uma fonte da qual brotavam asserções diversas, que penetravam escorrendo nos ouvidos, despertando insights, por sua vez desaguando em elucubrações outras, loucas, cheias de sentidos, perdidos. Formara-se na praça um lago protegido para peixes estranhos nadarem.

Quem é dono de si deve ser antes dono de seu próprio pensamento. O homem, a mulher, que sabe a força de construção que pensar evoca, não deixa de fazê-lo. Existe essa força de edificação e demolição, solidificando a presença que é cada um. Alguns, excepcionalmente, nessa reunião do pensamento podiam perceber isso. Um, em especial, era capaz de ver a vivência e a palavra em debate fabricando, tecendo nessa gente suas singularidades, assim como podia se ver esclarecendo. Este, observava a duração.

Havia uma movimentação ao redor do coreto, local de concentração do Café, olhares curiosos vêm e vão, caminhares, passos, ilhas de conversas, vida. Com um chapéu de cangaceiro o professor Ricardo recita um poema. Nesse tumulto organizado, um elemento chacoalhava o ambiente, uma persona desajeitada, procurava em meio à gente colher assinaturas e informações, Yago, o bolsista do projeto. Ele costurava em meio a todos, coletava o que tinha de ser feito, plantava sementes de algum fruto desconhecido com sua presença, desestruturava a lógica e já fugia para outras paragens, esse rapaz, estudante de filosofia, de hábitos curiosos e de simpática estranheza, fora o único naquela noite que teve contato com todos, ou, se não, com a maior parte dos presentes, de forma mais próxima, física, devo ressaltar.

É claro que a vivacidade presente na alma dos recém chegados à vida filosófica, ávidos de interação, fazia a roda girar, da mesma forma. Um conjunto de fatores propiciou um espaço diferente, uma zona alternativa dentro da cidade, onde pensar era possível e a expressão seja ela falada, poética, cantada... eram bem vindas, assim como fizeram alguns sujeitos. Foi o caso de um senhor especialmente convidado para alegrar, e alegrara, e entretivera, o nome deste senhor é Casemiro. Um artista autônomo de Amargosa, homem de bons papos e rosto feliz, papeou com Yago, o estranho, bons bocados. Em sua deixa, Casemiro, cantou, recitou, e como era senhor de horas para dormir, voltou para sua casa antes das nove horas.

A noite parecia não ter fim, fez jus àquele velho ditado batido, “a noite é uma criança”. E para muitos, fora sim. A noite dos esquecidos, dos rejeitados, dos drogados, das putas, dos artistas, e agora, dos professores e dos estudantes, é também do pensamento brincante. Porque pensar a fundo é contracultura, é esforço que não vale a pena ser gasto, mas eles gastam; são poetas, escritores, pensadores, artistas, professores... cabe a eles pensar, e pensar em qualquer lugar, a qualquer hora, para qualquer um. Basta ter para si vontade, de transgressão, evolução; pois, em um mundo no qual tornou-se obsoleto pensar, onde a idiotização é regra, criar mundos, erguer palácios mentais, viajar o universo, construir-se, derrubar horizontes, abrir janelas, pintar nebulosas, filosofar, poetizar, é loucura; reunir com o outro em praça pública e falar sobre inutilidades úteis, significa mudar a estrutura estabelecida socialmente das coisas, e vejo com olhos que veem, que há e sempre haverá gente disposta a impossíveis.

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