segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

"A ARTE DA ESCUTA"

 

Por Yago Itaparica.

Manhãs de primavera trazem no vento sussurros de poesia. Ouvidos atentos ao silvo que brota das folhas secas caídas, das árvores anciães, de pássaros (mensageiros da natureza), da terra palpitante, surpreendem-se à voz dos bosques. E na sua fisiologia de mato, desatinam a buscar por corpos poéticos, lugares poéticos, vozes poéticas, seres poéticos.

Qualquer dia, numa dessas manhãs, pude presenciar. Algazarra das existências que se transmutam em poetar. Fora manhã cotidiana dessas, precisamente, uma quinta-feira, 13 de dezembro, Amargosa, cidade jardim. Algumas pessoas, despregadas de suas vidas costumeiras, ouviram ser chamadas, nem foram vozes, foram instintos.

Sarau Janela encantada, a arte da escuta. Eis o nome do pequeno ocorrido que reunia, como um vórtice que traga o que lhe margeia, toda sorte de ouvintes. O mais célebre deles, talvez, tenha sido o passarinho azul que, atento às movimentações, pousou no corrimão do coreto onde realiza-se o gracejoso sarau e observava os preparativos.

Pensar em pessoas pra falar de poesia em uma quinta, quem poderia? Há coisas pertencentes de uma esfera dinâmica, pouco se preocupa com praticidades do dia, deixa-se escoar, esquece afazeres, problemas, dores. Assim fora aquela manhã. Manhã da mais saborosa primavera.

Recita, canta, dança, ouve, fala, ri-se. Ai de nós que não nos damos poesia.

Se quisera eu de verdade falar, jamais poderia. Os aconteceres se dão e passam, não há como narrá-los, fidedignos. E se eu assim fizesse, jamais narraria a poesia daquele dia. Veja, como fica… atravancado.

“Na quinta-feira do sarau, quatro pessoas à mesa, falavam de poesia e recitam poesia. Há quem cante e há quem dance. Dois grupos e um artista solo balançando o esqueleto. Intervenções, vozes poéticas, se deixam soar, entonar.”

Vê, parece breve, mas foram mil anos em algumas horas. A palavra não pode narrar. Ai, que pudesse! Seria recriar. A palavra tem seu próprio movimento, outro movimento, diferente do movimento, vida.

Ah, mas uma coisa posso falar, foi dia lindo, dia maroto, dia borboleta e passarinho. Foi, foi dia poesia.


2 comentários:

Unknown disse...

Legal.... vamos nessaa... avante

Ensino de Filosofia em Amargosa disse...

Muito bom, parabéns aos envolvidos!