O HOMEM BOOGIE DO AC/DCPor Marconi Lins
Foto: Nara NogueiraSão Paulo, 27 de novembro de 2009. Às 18 horas o telefone toca. Alguém do hotel avisa que já está na hora de acordar. Uma dose de wiskey permanece no copo desde a noite passada. Ao chegar à janela do nono andar, ele escuta o barulho e vê a paisagem de concreto no infinito vertical da louca cidade: ou o paraíso ou o inferno. A última vez que esteve por aqui foi nos anos 90. - O público do Brasil é muito louco mesmo..., lembrava do primeiro show no país em 1985 quando, no auge dos trinta e oito anos, cantou para uma multidão ensandecida.
Batem na porta. Um jovem da equipe de produção lhe entrega a agenda do dia. – Como são gente boa esses profissionais!, solta uma piada sobre o trabalho, coisa que faz com muito prazer, por sinal. Trabalho sujo, feito de forma barata, gravatas, contratos, alta voltagem. São tantos anos de estrada que ficava imaginando quando fazia parte de uma desconhecida banda chamada Geordie, do norte da Inglaterra. Uma saudação pelos bons tempos em que tocava em clubes apertados. Como eram excitantes aquelas noites! E hoje ele está aqui, em outro país que não fala a sua língua. - Do outro lado do mundo esses garotos adoram nossas canções, sabem cantar tudo. E olhe que já se passaram 29 anos desde que ele entrou no grupo.
Mais tarde, encontra seus amigos de turnê, já é hora de ir ao show. O figurino é a mesmo: calça jeans, tênis, jaqueta preta, chapéu de motorista. No caminho do estádio observa através do vidro fumê do carro um grande número de pessoas vestindo camisas estampadas com seu rosto. Sentimentos correndo pela espinha, flash back de quando ele viajou para assistir shows em Londres e via uns coroas tocando a velha musica, ou de quando foi para o Texas e se divertiu um pouco conhecendo lindas garotas. Nunca imaginou fazer sucesso por tanto tempo. O show business é ridículo e não se envaidece com isso nem com a grana. Ele é o homem boogie: “come on, come on lovin for the money”. Qualquer pessoa está nesse jogo. É assim que funciona.
Do backstage admira o público lá fora. Rajadas de raios parecem sair da multidão. Um gole para esquentar as cordas vocais e um cigarro para deixar a voz mais rouca ainda. É hora de subir no palco, se divertir, escachar e desmoralizar, fazer o que ele fez a vida toda. Girando como um dínamo durante o caminho em direção ao palco, chegando como um furacão. Ri sozinho, vivendo muito, vivendo por hoje, viver em êxtase.
Do outro lado do Backstage
Na entrada do estádio do Morumbi, via a fila de pessoas dando volta no estádio. Parece que todos os fãs saíram de casa cantando “aaah ah aah aaah... Thunder!”. Thunderstruck, do disco The Razor’s Edge 90 é, sem sombra de dúvidas, o hit mais cantado pelo público antes do show. Chuva, raios e “thunder”, ninguém tinha a mínima vontade de arredar o pé daquele metro e meio quadrado, em que se era esmagado na fila. O AC/DC é uma religião. Pessoas de vários lugares do Brasil, sobretudo do Paraná, que desceu em peso, soltando o grito de guerra com os mindinhos e indicadores em riste – AC! AC! AC! Ainda do lado de fora, pessoas sem ingressos pagavam até R$ 600 na mão dos cambistas. Havia um jovem de Chapecó que tinha perdido seu ingresso na noite anterior em uma balada alcoólica. A cada passo da entrada, urros de euforia. Ao pisar no estádio do Morumbi, parecia que algum time de futebol tinha feito um gol. Abrindo o show, Nasi cantou Mosca na Sopa e fechou sua apresentação com Sociedade Alternativa.
O que falar de um show do AC/DC quando tanta gente já escreveu que esta é a turnê do disco Black Ice, que pode ser a última vez que eles tocam no Brasil, dos solos alucinados e da boa forma física do cinqüentão Angus Young – durante Let be rock,como de praxe, Angus cai no chão e faz um helicóptero sem borrar o solo –, do simplismo do Brian Johnson, da expressão elétrica estampada no rosto do Malcon Young, da base segura do Cliff Williams e da bateria locomotiva do Phil Rudd, dos chifrinhos piscando nas arquibancadas, do aperto da arena para ver de perto a lenda do rock australiano...

Seria muito clichê dizer que o som dos caras é um rock direto e dançante sem firulas, que os caras ao vivo tocam idêntico aos discos, falar dos efeitos especiais, do trem que invade o palco na primeira música Rock’n Roll Train, do sino gigantesco em Hells Bells, que a estrutura do Rock’n Rio I não suportou a parafernália da banda, da nova boneca inflável, em Wole Lotta Rose, desta vez veio para cá tatuada. Realmente, um show como esse é uma experiência única, indescritível e que se leva pra vida toda deixando uma pergunta no ar: será que um dia veremos uma banda de Rock’n Roll como o AC/DC?