SEM CONSTRANGIMENTOPor Led Beslard

Com um trabalho consistente na cena Hip-Hop soteropolitana, o grupo de rap 157 Nervoso é destaque por onde passa. Com quase 10 anos de existência, a banca formada pelos mc’s Man-duim, Diego 157 e Spok é um bom exemplo de resistência, pois apesar de sofrerem com a falta de espaços em nossa terra, sobrevivem com muita força e bons trabalhos. Com a gravação de “A Cria Rebelde”, cd de estréia, o 157 Nervoso mantém sua agenda tomada com eventos dentro e fora da capital baiana. Num papo direto e objetivo conhecemos um pouco mais sobre esse grupo de atitude, o que pensam e o que pretendem transmitir.
NEW BRUTALITY – Na opinião de vocês, qual é o papel do rap na atual situação em que o país se encontra?
Diego 157 – O Rap se mostrou e ainda se apresenta como contestador na maioria das vezes, então, segue com o mesmo propósito que é o de denunciar o que os grandes veículos de comunicação tentam ofuscar, busca apontar soluções para a situação em que os menos favorecidos vivem, porque só apontar o dedo não vai mudar nada, e deixar explícito que o Brasil não vive uma democracia racial, essa idéia pra mim é racismo maquiado. Enfim, o rap necessita ser um agente transformador que traga mudanças para a vida de quem o ouve.
Man-duim – Em minha opinião, o papel do Rap é mostrar quem realmente são os nossos inimigos e contra quem devemos lutar. O rap hoje é o principal meio de protesto e de manifestação atuante, esse é o nosso dever. Não adianta a gente escrever uma letra que não vai trazer beneficio nenhum para nossos irmãos, visando status e fama. Queremos resgatar vidas e não destruí-las, pois vivemos num país racista, onde o poder está nas mãos do opressor. Temos que formar pensadores para que esse quadro mude.
NB – Há alguma diferença entre o rap feito em Salvador e o rap feito no resto do Brasil?
Diego 157 – O rap de Salvador é um dos melhores do Brasil e isso é inegável. Trabalhos como os dos grupos Opanijé, Daganja, RBF, Versu2, Da Rua, Invés, Lukas Kintê, Milicianos, Sub-versivos, Afro Jhow, Afrogueto, Eleitos do Gueto e milhares de outros são merecedores de ser ouvidos com uma certa atenção. Em minha opinião, rap bom não se diferencia um do outro, se em Porto Alegre há grupos bons e aqui em Salvador também, não existe distinção entre eles. O que diferencia o trabalho dos grupos de rap é a forma como cada grupo encara o que faz, quem se baseia em profissionalizar cada vez mais seu som aparece mais, quem ainda brinca não será lembrado.
Man-duim – Não sei se diferente, mas com ideologia própria. Hoje o rap tem um espaço na mídia que era muito difícil de conseguir antigamente, com isso o mercado cresceu. Porém, sem identidade, o que vemos hoje é um rap feito pra ganhar dinheiro, não que isso seja ruim, mas falta um pouco de raiz mesmo, pelo menos aqui em Salvador ainda preservamos essas raízes. Temos consciência da nossa responsabilidade como mc’s, sabemos que nossas palavras podem salvar ou destruir nossos irmãos, então não podemos dizer que é diferente, mas podemos dizer que temos identidade.
NB – Vocês acreditam na possibilidade de uma integração cultural entre classes?
Diego 157 – Cultural sim, porque ninguém é detentor de cultura nenhuma. O Hip-Hop, por exemplo, é uma cultura de rua enraizada no gueto, só que não é só o gueto que consome o Hip-Hop, o boy quer andar no carro ouvindo rap no último volume, assinar tags nos muros, dançar como os melhores b.boys e fazer back to back, e quem é que vai impedir isso? Não tem como, irmão! E no dia em que alguém conseguir se apossar de alguma cultura, a mesma já perde a essência cultural.
Man-duim – O hip-hop é uma cultura do gueto, e sempre foi marginalizado por isso, eu não vou impedir que o playboy seja um mc ou um DJ, b-boy ou grafiteiro, que ele escute o rap, que vá pra show, porém ele nunca vai fazer parte da mesma cultura que eu defendo, eu represento quem sofre, quem é da rua , quem sempre foi discriminado, de quem sempre sofreu com o racismo, essa é a cultura que eu defendo.
NB – Uma das características do rap é a de retratar a realidade dos menos favorecidos. O que é dito em suas letras faz parte da realidade de vocês?
Diego 157 – As máscaras sempre caem e se estamos a nove anos nessa batalha incessante na busca por melhoria para os nossos semelhantes é porque o que é gravado por nós realmente é o reflexo do que muitas pessoas vivem. É até o que muitos queriam expor, mas não sabiam por onde começar e é nesse momento que age o 157 Nervoso, com a roupagem sincera de quem vem de guetos violentos.
Man-duim - Com certeza, até porque esses “menos favorecidos” quem são? São os negros que vivem nas periferias, então com certeza é a nossa realidade, não temos acesso à cultura, ao esporte, ao laser, vivemos num país racista onde não há distribuição de renda, onde a burguesia dita as regras, onde a secretaria de educação nos priva da nossa verdadeira história.
NB – É comum aqui no Brasil vermos pessoas que fazem parte do movimento Hip-Hop ou de grupos de rap se vestirem e gesticularem como os norte-americanos. Falta identidade?
Diego 157 – Não acho que falte identidade, aliás, isso por aqui tem de sobra. Eu vejo como referência, até porque é natural que as pessoas se espelharem no que gostam.
Man-duim – Os norte-americanos expandiram o rap de tal forma que hoje existem marcas de roupas própria da cultura Hip-Hop. Não que isso seja ruim, acho até legal, é uma forma de preservar a cultura. Mas o Hip-Hop é muito mais do que panos, é vivência, quem é dos guetos com certeza vai comunicar em gíria mesmo, os advogados não usam seu linguajar, assim como os políticos e a polícia? Então, é a nossa forma, só quem vive sabe o que é isso.
NB – Na maioria das vezes, o crime é o principal tema dos grupos de rap. Na opinião de vocês, por qual motivo isso acontece?
Diego 157 – É inevitável você morar em periferia e não se deparar com algumas brutalidades desse cotidiano. Se determinado grupo vive ou presencia algum fato e resolve retratá-lo em suas letras não há problema nenhum, o cuidado deve ser tomado na forma em que o assunto é exposto. Existem grupos ou artistas solos que vivem em periferia e se deparam também com cenas fortes e, no entanto, preferem rimar outra realidade. É uma questão de ótica, quem acha necessário cantar o crime canta e quem acha necessário não abordá-lo faz da forma que achar melhor, e o rap segue.
Man-duim – Retratamos o crime porque vivemos o crime: o crime racial, ideológico, social e cultural o qual o Brasil sofre há mais de 1500 anos. E essa é a principal importância do rap, a de retratar nossa sobrevivência nesse campo de extermínio, onde a burguesia ainda atua com seu poder devastador, é por isso que narro o crime.
NB – Quais outros estilos musicais, além do rap, vocês costumam ouvir?
Diego 157 – Eu produzo uns beats, então sempre estou escutando música, muita música mesmo pra ter uma infinidade de sonoridade para samplear. Posso citar Vanessa da Mata, Amy Winehouse, Chico Buarque, Bob Marley, Bezerra da Silva, Nneka, Maria Rita, Ponto de Equilíbrio e por aí vai.
Man-duim – Sempre gostei de musicas agressivas, como hardcore, punk-rock, o próprio rock, mas também não dispenso Djavan, Tim Maia, Bezerra da Silva.
NB – Vocês não tocam com banda. Como é o processo de construção das músicas e como elas são passadas para o palco, já que vocês também não têm DJ próprio?
Diego 157 – Muitas das vezes cada um aparece com uma idéia de música pra se fazer, daí como eu produzo uns beats nós vamos procurando algo que se assemelhe com a idéia da música e trabalhamos com um determinado prazo pra cada um entregar sua parte da letra pronta. Isso é bom por que estimula a escrita e as músicas vão ficando prontas em curto espaço de tempo. O maior problema no grupo hoje é a falta de um Dj, enquanto não conseguimos encontrar alguém disposto a trabalhar junto conosco e com seus equipamentos, vamos fazendo nossos shows sempre convidando algum Dj que seja parceiro e esteja disponível e os nomes mais frequentes são Dj Índio e Dj Leandro.
Man-duim – O processo de construção de base é fácil, até porque Diego produz alguns beats pra nós mesmos. Agora, em termos de dj é bem complicado, Salvador tem uma carência enorme de djs com equipamentos, o que dificulta o crescimento do rap aqui. Temos bons djs, só que muitos sem o equipamento, então a gente sempre chamava alguns amigos que possuíam equipamentos pra fazer free lancer pra nós, como dj Leandro e dj Índio.
NB – Falem-nos sobre o processo de gravação do cd de estréia de vocês e quando pretendem lançá-lo.
Diego 157 – O disco "A Cria Rebelde" foi trabalhado durante todo o ano de 2008, e traz produções de Dj Leandro, Diego 157, Armeng e Dj Índio. A arte do encarte é assinada pelo designer Rangel Santana. Foi todo gravado no Estúdio Freedom Soul Rec, com DJ Leandro e Armeng e Masterizado no Coro de Rato Estúdio pelo Mc Finado (Yuri). O disco traz doze faixas, procurando expressar nas temáticas das “letras” as verdades vistas e vividas por nós e os anseios de luta das massas desassistidas. São abordados assuntos como violência policial, guerrilha, ancestralidade, revolução, respeito, dentre outros. Como participações especiais, o cd traz o soul-man Leo Souza na faixa “Fale-me de amor” e do jovem MC Aladim em “Respeita”. A prensagem ficou a cargo da Ponto4 Digital, empresa especializada na reprodução de cds e dvds, o que nos garantiu apresentar um cd com profissionalismo. O álbum representa mais uma prova dos resultados obtidos através daquilo que é feito com amor. E conosco não foi diferente. Depois de muitos anos de estrada, e de muito trabalho, o grupo consegue realizar um registro musical voltado para a juventude e toda a população que vive às margens. “A Cria Rebelde” é o retrato do que os olhos vêem, do que o coração sente e da vivência de cada um que se assemelha ao que nós retratamos.
NB – Como vocês definem o trabalho feito pelo 157 Nervoso?
Diego 157 – Sincero, acima de tudo. Quando as pessoas ouvem a nossa música não é somente Man-duim e Diego 157 que estão cantando. Nossos tracks são as vozes de todos os irmãos privados de darem seu grito revolto silenciado pela opressão midiática imposta a nós. Nosso trabalho é o gueto original roubando a cena.
Man-duim – Um trabalho real e sincero, feito com amor e dedicação, com músicas da rua pra rua, sem rótulo e sem maquiagem. Expressamos nossos sentimentos, doa a quem doer.